quarta-feira, 14 de maio de 2008

Fundep e o “Sistema S”

(Leandro Carvalho) Abro aqui um espaço para uma breve reflexão sobre o projeto de lei que o Governo Federal prepara, prevendo a diminuição em mais 30% dos recursos recebidos pelo “Sistema S” [Serviço Nacional da Indústria (Senai), Serviço Nacional do Comércio (Senac), Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Nacional de Aprendizagem em Transportes (Senat), Serviço Social de Transportes (Sest), Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (Sebrae) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop)] em benefício do Fundo de Educação Profissional (Fundep), um fundo a ser criado para incrementar o ensino técnico no país utilizando recursos, estrutura e experiência deste “Sistema”. Este fundo estaria sob o controle de um Conselho presidido pelo Ministro da Educação.

Diante desta noticia, a sociedade tem reagido em pequena escala, mas com grande indignação. Sabemos que o ensino técnico abre perspectivas profissionais para muitos jovens. Nada contra sua incrementação. O que realmente incomoda é a atitude ‘intervencionista’, como muitos a tem chamado, de algumas pessoas do Governo Federal em uma das poucas instituições que ‘funcionam’ no Brasil

Vou me ater às atividades desenvolvidas pelo Sesc na área da cultura, após percorrer 13 municípios do Estado de SC, juntamente com a Orquestra do Estado de Mato Grosso, dentro da programação do projeto Sonora Brasil, e ter recolhido uma impressão geral sobre a área cultural no Estado. As cidades que apresentamos concertos são pólos regionais, algumas delas com grande desenvolvimento industrial e humano. Verificando a realidade de cada uma delas, in loco, e ouvindo relatos de gestores da área cultural, pública e privada, da comunidade e dos artistas em atuação local, pode-se chegar a algumas conclusões não surpreendentes.

A primeira delas é que as secretarias municipais de cultura e/ou fundações de cultura tem uma atuação limitada em função do pouco orçamento da pasta, da falta de prestígio político do setor ou mesmo de gestores que se valem do cargo como trampolim político para um cargo da câmara de vereadores. A falta de uma ‘política pública’ para a área cultural é clara, como na maior parte das cidades e estados brasileiros, com poucos projetos sustentáveis, consistentes e com resultados efetivos para a população. Enquanto o Ministério da Cultura trabalha pelo ‘Plano Nacional de Cultura’, onde a União, estados e municípios, além de uma integração maior, teriam percentuais orçamentários garantidos em lei, as cidades permanecem ‘como estão’. Já se vão seis anos nesta discussão e pouca coisa saiu do papel.

Diametralmente oposta a esta realidade é a atuação do Sesc, que mantem uma programação intensa, em vários setores da cultura, de formação de novas platéias, de democratização e ampliação do acesso a bens culturais, e de contrução de equipamentos culturais que beneficiam os comerciários, bem como a sociedade em geral. Projetos como o Sonora Brasil, na área da música, e o Palco Giratório, da área das artes cênicas, levam espetáculos consistentes, de real enriquecimento simbólico à população, que não possuem apelo comercial e que seriam inviáveis sem este subsídio. Isso vem acontecendo sem alarde, sem grandes estratégias de marketing, há mais de dez anos, ininterruptamente. Dezenas de municípios de SC recebem anualmente quatro espetáculos musicais originários das mais diversas regiões brasileiras através do Sonora Brasil, vários espetáculos teatrais dentro da programação do Palco Giratório, ambos do Departamento Nacional em parceria com as regionais, e mais os circuitos catarinenses de música, teatro e outras expressões artísticas, promovidos pelo departamento regional do Sesc. Estas cidades estão fazendo parte de um processo de descentralização do acesso a bens culturais e de um intenso intercâmbio artístico que enriquece nosso país de uma maneira imensurável. E é preciso dizer que isso é, na maior parte dos municípios, a agenda principal destas localidades. Pouco, ou nada, acontece fora desta programação.

Ainda estamos no primeiro Estado, dos vinte e dois que percorrerremos nos próximos meses, mas é muito provável que esta realidade se repita em todo o país. É claro que num eventual corte de receita na casa dos 30% do "Sistema S", e logo do Sesc, as atividades artísticas seriam diretamente atingidas, deixando um vazio irreparável e muito danoso tanto para os profissionais do segmento quanto para as futuras gerações de brasileiros que não mais teriam acesso a tudo isso.

Engrosso aqui o coro dos indignados com esta idéia infeliz do Governo Federal e espero que isso não entre em processo de votação. Tenho certeza que a reação da sociedade será vigorosa em defesa das instituições do “Sistema S”, contruídas e administradas com seriedade, eficiência e transparêcia, qualidades há muito esquecidas pela maior parte das instituições públicas brasileiras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Leandro:
Queremos também engrossar esse coro - será uma espécie de "coro dos contrários"? - a favor da tão importante atuação do Sistema S (e principalmente do SESC) na vida cultural das nossas cidades.
Principalmente porque sabemos que o gosto pela música (leia-se, além da música, todas as formas de arte e artesania) de qualidade a gente cultiva aos poucos, ao longo da vida, e é preciso que a cidade nos ofereça oportunidades de experimentar desse alimento.
Agradecemos ao SESC e à Orquestra de Mato Grsso pela noite prazerosa e nutritiva que tivemos ontem, no Teatro Álvaro de Carvalho.
Temos certeza que, graças também ao esforço de vocês, nossa cidade vai aos poucos se apaixonar pelo lazer dito "cultural" - para além da praia e do shopping - e pelos espetáculos dignos deste nome, como o de ontem à noite.
Nosso carinho a todos!