segunda-feira, 30 de junho de 2008

O desafio de formar 'ouvintes'

(Leandro) Peço desculpas desde já pelo tamanho deste texto. Concordo que ele não é adequado para um blog, que deve ser divertido, informativo e de rápida leitura. Não se incomodem com ele. Passem rápido para as fotos interessantíssimas que estão logo abaixo.

O desafio de formar ‘ouvintes’

Uma das principais motivações para a Orquestra do Estado de Mato Grosso participar do Sonora Brasil foi o alinhamento de objetivos de ambas iniciativas. No seu dia-a-dia, a Orquestra oferece ‘concertos didáticos’ em escolas da rede pública e privada, faz concertos no interior de Mato Grosso e busca uma abordagem ‘includente’ para os concertos realizados na capital. Em 2007, foram mais de 150.000 pessoas atingidas diretamente. Não é exagero. Os concertos realizados em praça pública nas belas cidades do interior do Estado reuniu, em média, 5.000 pessoas por concerto. O repertório não é apelativo, propondo misturas ‘baratas’ de música popular com erudita tendo como referências os modismos do momento. Muito pelo contrário. O desenvolvimento de um repertório novo, com a inclusão das violas de cocho, é feito com muito critério e tem como ‘ponta de lança’ as mais criativas cabeças da atualidade. Compositores de destaque vem escrevendo ininterruptamente para a Orquestra nos últimos 4 anos.

Esta rotina tem nos ensinado muito e agora, viajando pelo Brasil, percebo que os desafios para a ‘formação de ouvintes’ são os mesmos do cotidiano da Orquestra. Cada concerto, em cada cidade, em cada escola, exige uma estratégia diferente. ‘Formar público’ é um exercício de aprendizado diário que requer muita humildade. È preciso adentrar a realidade da comunidade que se quer atingir, atentando para a infinita complexidade do comportamento humano, que pode variar de bairro para bairro, em diferentes classes sociais, educacionais, em diferentes idades. O desafio é enorme e exige pessoas altamente qualificadas pensando nestas estratégias. Percebemos que o trabalho ‘em torno’ do concerto é, na maioria das vezes, muito maior e imperioso para que a própria atividade fim seja exitosa.

Em nossa experiência, as escolas da rede pública, por exemplo, exigem visitas prévias para conscientização e mobilização dos professores. Pela precariedade das condições, temos que prover cartazes, faixas, filipetas, além do kit multidisciplinar contendo livros, CDs e DVDs. Nas oficinas de capacitação, os professores aprendem como utilizar este conteúdo em sala de aula e passam meses preparando os alunos para viver a experiência do ‘concerto’. Na verdade, o concerto é apenas parte do processo. Em torno dele, a comunidade se mobiliza, se reconhece e afina laços de fraternidade. Os alunos motivam os pais, que motivam os colegas e vizinhos, para um encontro único no ambiente escolar. A escola sai fortalecida como centro comunitário, local de troca de valores simbólicos que deve ser protegido pelas pessoas que habitam seu entorno.

Nos mais de 20 municípios do interior de MT que a Orquestra já visitou, a estratégia é outra. É preciso envolver os poderes públicos locais, os clubes de serviços, os agentes mobilizadores (aquelas pessoas ‘descoladas’, que conhecem ‘todo mundo’ e que são formadores de opinião). Além disso, é preciso lançar mão de veículos pouco usuais aos grandes centros como carros de som e faixas. Não basta colocar no jornal. A verdade é que ‘ninguém’ lê jornal (ou uma parcela mínima da população). É preciso um local adequado, no horário adequado, sob o risco de se botar tudo a perder por um erro tolo como por exemplo marcar um concerto no horário da missa. São as idiossincrasias do local que devem ser respeitadas se temos a ‘pretensão’ de formar ouvintes.

Esse comentário sobre algumas de nossas linhas de atuação serve como preâmbulo para uma breve reflexão a respeito da experiência que vivemos em Manaus (AM). O concerto nesta capital, dentro da programação do Sonora Brasil, foi marcado para domingo, às 15:00, no Centro Cultural de Convivência da Família, construído recentemente pelo Governo do Estado, bairro Cidade Nova (em torno de 40 minutos do centro). De cara, desconfiamos da escolha. A justificativa parecia clara (“Não havia pauta no Teatro Amazonas”). Por desconhecer o trabalho prévio realizado no local, aceitei e esperei a hora da partida.

Não vou fazer aqui considerações sobre horários, camarim e outros pormenores técnicos como banco do contrabaixo e outros. Fá-los-ei em forma de relatório para o Depto Nacional do Sesc. Aqui, minha reflexão pretende ser de ‘utilidade pública’ e contribuir com a experiência de outros gestores, incluindo muitos técnicos do Sesc espalhados pelo Brasil que acompanham este blog assiduamente e vem elogiando os comentários críticos que fazemos ao longo da viagem.

Houve (se é que houve) pouquíssimo contato prévio com a comunidade do bairro. As pessoas não veem este centro de convivência como um local de realização de concertos ou outros espetáculos musicais desta natureza. A comunicação reduziu-se a duas ótimas matérias nos dois maiores jornais da cidade, sendo uma delas uma matéria de capa (Diário do Amazonas e A Crítica). Nada de rádio ou TV. O problema é que as pessoas do bairro ‘Cidade Alta’ não leem estes jornais. Os leitores dos mesmos nunca ouviram falar do local de realização do concerto. Mesmo que soubessem, dificilmente se deslocariam dos bairros centrais de Manaus para um concerto às 15:00 do domingo (horário em que todo brasileiro está em casa, com sua familia, no mínimo almoçando). Ressalvo que os ‘concertos sociais’ (denominação que inventamos ao longo do Sonora Brasil) são extremamente importantes e todos nós temos grande prazer em fazê-los. Este foi o caso de Santana, interior do Amapá, localidade afastada, sem recursos, com um dos piores IDHs do Brasil. Ou mesmo em Ceilândia. Nossos depoimentos neste blog são uma prova de nossa consciência sobre isso.

O resultado destas escolhas foi o menor público que a Orquestra teve no Sonora Brasil. Estavam lá algumas pessoas amigas dos músicos da Orquestra, alguns músicos da Orquestra Amazonas Filarmônica (que farão o terceiro roteiro tocando a música de câmara de Villa-Lobos) e mais 7 faxineiras do centro comunitário que eu convidei pessoalmente e fiz questão absoluta da presença. Doeu na alma. O esforço é muito grande, muito investimento humano e financeiro, para um resultado tão aquém da potencialidade da ocasião. Vejam bem que estamos falando de Manaus, uma cidade com quase 2 milhões de habitantes (oitava maior cidade brasileira), que tem uma das melhores orquestras do país e realiza anualmente um dos maiores festivais de ópera do mundo!

Esta experiência amarga não pode, nem deve, passar em vão. È preciso tomar cuidado, atentar para a produção de um evento desta magnitude. Não se pode ‘desperdiçar’ uma orquestra desta maneira e nem um roteiro do Sonora Brasil. O trabalho de mobilização da comunidade, e mesmo de ‘preparo’ das pessoas, é parte fundamental do projeto e cabe às unidades regionais. São muitas as maneiras de realizar esta tarefa e cada um saberá as particularidades de sua cidade. Acima, mencionei nossa experiência em MT e em vários momentos deste blog, mencionei experiências exitosas empreendidas por técnicos do Sesc em vários estados. As estratégias, bem como os erros, devem ser compartilhados e absorvidos por aqueles que querem crescer e exercer sua profissão com esmero.

Por fim, enfatizo que a questão aqui é aprender com os erros (e isso não significa desmerecer ou diminuir todos os muitos acertos acontecidos até aqui). Devo sentir-me à vontade para expressar minhas idéias com o ÚNICO propósito de contribuir para o Sonora Brasil. Na verdade, sinto-me obrigado a isso. Desculpe-me. O convite para participar deste projeto significou, para mim, a realização de um antigo sonho. A admiração que tenho pelo Wagner Campos e pelos profissionais que atuam no Departamento Nacional do Sesc me impedem de ficar calado. Faz parte da maturidade de um profissional, ou mesmo de uma instituição, o exercício do contraditório, ouvir e fazer críticas para sair de um exercício intelectual mais fortalecido e consciente dos caminhos a serem seguidos. Espero que assim seja entre todos nós.

5 comentários:

Anônimo disse...

Sinto muitíssimo que em Manaus tenha sido dessa forma, vocês não mereciam isso.
Abração

Anônimo disse...

Sou solidário ao maestro! É uma oportunidade e tanto ter uma orquestra deste nível fazendo parte do nosso cenário cultural. Mas é preciso uma melhor divulgação, investir na produção, né mesmo?

Zevang disse...

Leandro, além de tudo o que vc disse, eu ressaltaria também a necessidade de se manter nosso maior bem, em termos de política nacional, conquistado nessas últimas 2 décadas, que é a democracia. Parabéns por exercê-la em sua plenitude aqui no local ideal para perpetuá-la.

Anônimo disse...

Queridos, vamos em frente com esse nosso trabalho incrível!
A experiência tem sido muito, muito positiva. A reflexão sobre o nosso ofício e sobre o nosso papel na sociedade certamente levam ao crescimento. E é isso que cada um de vocês está levando consigo em abundância (sem preceber, ainda....).
Um beijo com saudades de todos.

Anônimo disse...

Um absurdo.
Em Boa Vista-RR (não é Bela Vista nobre maestro)o público foi maior e por certo mais receptivo.

Que não aconteça de novo...